Reflexões de:
Um Discurso sobre as Ciências
Boaventura de Sousa
Santos.
“É um grande e belo
espetáculo ver o homem sair, de certo modo, do nada por seus próprios esforços,
dissipar, por meio das luzes de sua razão, as trevas em que a natureza o
envolvera, elevar-se acima de si mesmo, lançar-se pelo espírito até as regiões
celestes, percorrer a passos agigantados, como o Sol, a vasta extensão do
universo, e, o que é ainda maior e mais difícil, entrar em si para ali estudar
o homem e conhecer sua natureza, seus deveres e seu fim”. Rousseau, Jean Jacques: Discurso Sobre a Origem e os
Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens, página 13.
O discurso de Boaventura identifica as crises das ciências no tempo em
que vivemos. Estão sendo caracterizados aspectos históricos das ciências
naturais e sociais, bem como o atual contexto científico e as perspectivas para
o futuro. O autor sustenta,
inicialmente, que nos encontramos em um período de passagem entre “tempos”
científicos. Para compreender, o autor utiliza-se do exemplo de Rousseau, que
na obra Discurso sobre as Ciências e as Artes, de 1750, buscou respostas por
meio de perguntas simples. Para tanto, o autor estrutura a sua obra da seguinte
maneira:
1º) Identifica a ordem científica
hegemônica;
2º) analisa a crise dessa hegemonia;
3º) propõe um perfil de uma nova ordem
científica, sob condições teóricas e sociológicas.
O PARADIGMA DOMINANTE
“O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As
qualidades intrínsecas do objecto são, por assim dizer, desqualificadas e em
seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem
traduzir. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante”. Boaventura, página 05.
A ordem científica dominante, tratada na obra como “O paradigma dominante”,
diz respeito ao modelo racional herdado a partir do século XVI e consolidado no
século XIX. Essa nova racionalidade científica vislumbra uma única forma de se
atingir o conhecimento verdadeiro, aquela decorrente da aplicação de seus
próprios princípios e de suas regras.
“Olhando mais de perto, o que é o homem
de ciência? Antes de mais nada uma espécie sem nobreza, isto é, não dominante,
não exercendo a autoridade, e nem mesmo suficiente a si mesmo. O douto possui
ainda, como é bem natural, a franqueza e os defeitos de uma raça sem nobreza:
inveja grosseira superabundante e um olho de lince para os mais leves defeitos
das naturezas superiores. Mostra-se familiar, mas se entrega voluntariamente e
não se deixa arrastar pela corrente e precisamente diante do homem da grande
corrente ele permanece frio e fechado em si mesmo, seu olho assemelha-se então
a um lago liso, antipático, sem encrespar de ondas por nenhum entusiasmo, por
nenhuma simpatia”. Nietzsche; Além do Bem e do Mal:
Prelúdio de Uma Filosofia do Futuro, página 121
A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE
“É antes o retrato de uma família
intelectual numerosa e instável, mas também criativa e fascinante, no momento
de se despedir, com alguma dor, dos lugares conceituais, teóricos e
epistemológicos, ancestrais e íntimos, mas não mais convincentes e
securizantes, uma despedida em busca de uma vida melhor a caminho doutras
paragens onde o optimismo seja mais fundado e a racionalidade mais plural e
onde finalmente o conhecimento volte a ser uma aventura encantada”. Boaventura,
página 11.
A crise do modelo hegemônico é fruto de uma série de condições teóricas
e sociais. “Não se poderá dizer o mesmo da ciência. Todos os povos doutos
foram corruptos, e já é um terrível precedente contra ela”. Rousseau: Discurso
Sobre as Ciências e as Artes, página 71.
O autor destaca, inicialmente, quatro condições teóricas que
contribuíram para a crise do paradigma dominante: 1ª) a teoria da relatividade
de Einstein; 2ª) a mecânica quântica; 3ª) o questionamento do rigorismo
matemático; 4ª) o avanço do conhecimento nas áreas da microfísica, química e
biologia na segunda metade do século XX.
“Seguindo o curso da história de qualquer
ciência será possível descobrir que se descubra em sua evolução u´a linha geral
que servirá para compreender os fenômenos mais antigos e gerais do “saber” e do
“conhecer”. Nos dois casos o que se desenvolve primeiro são as hipóteses
prematuras, as ficções, a estúpida boa vontade do “crer”, a ausência de desconfiança e de paciência”.
Nietzsche; Além do Bem e do Mal: Prelúdio de Uma Filosofia do Futuro, página
104.
O PARADIGMA EMERGENTE
“Com esta designação quero significar que a
natureza da revolução científica que atravessamos é estruturalmente diferente
da que ocorreu no século XVI. Sendo uma revolução científica que ocorre numa
sociedade ela própria revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela
não pode ser apenas um paradigma científico (o
aradigma de um conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma
social (o paradigma de uma vida decente)“.
Boaventura, página 13.
O autor propõe um modelo emergente, o qual
denomina “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente”. Este
modelo estrutura-se em um paradigma científico de conhecimento prudente e em um
paradigma social de uma vida decente.
Para
justificar o seu modelo, Boaventura utiliza-se de quatro princípios sobre o
conhecimento:
1º) todo conhecimento científico-natural é
científico-social;
2º) todo conhecimento é local e total;
3º) todo conhecimento é autoconhecimento;
4º) todo conhecimento científico visa constituir-se em senso
comum.
“Talvez o subproduto mais angustiante da revolução
científica tenha sido acabar com muito de nossas crenças mais acalentadas e
consoladoras”. Sagan, Karl: Bilhões e bilhões, página
252.
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